Você é o mesmo ser que olha com seus olhos?
Observamos um corpo que acredita sermos nós? Uma reflexão sobre percepção, tempo e memória dentro do que é ser o que se é.
Sou humano, meu corpo segue regras químicas e faço o que faço por conta do que vivi e das memórias que tenho sobre mim. Viverei uma vida por um certo tempo e o que restará será minhas contribuições para a sociedade. Você também é assim. Cada um de nós é um ser único em sua própria história. O que faço e vivo, é meu, da minha essência, da minha própria alma, mas há um outro, aquele que realmente age, através do cérebro, seguindo as ordens que o ambiente ao redor lhe dá. Sou, então, observador de mim mesmo. O medo e o desejo não é meu, mas sim de meu cérebro.
Tempo é algo que não podemos ver, não podemos tocar, que passa e nos deixa marcas a cada pequeno instante. Um vetor invisível que nos toca como lamina e nos desabilita lentamente, suprimindo nosso fôlego até a morte. Uma dimensão que nos permite viver, apenas das memórias turvas que no fim são nossa única posse real. Quem não lembra do que viveu, de fato viveu? Se não me lembro de tantas coisas da minha infância, como poderia dizer estar vivo? Tudo que se é, é o que se lembra ser. Sou eu, por lembrar de mim. Mas também o sou de outro, um outro eu que se identifica ser físico, classificado e codificado geneticamente para ser o que é até aqui carregando toda a porção de acaso de todos os meus antecessores. Minha linhagem vive em minha matéria, cada qual na parcela que, sem querer, criou. Apenas somos em essência aquele um por cento que é nos permitido ser diferente em nosso DNA. E assim é com nossos pais. Tudo flui como água num rio, milhares de vidas viveram e morreram para se tornarem o eu. E eu o sou, milhares, com uma diferença, a memória que pertence unicamente a mim, que permite ser eu algo único perante os 99 por cento restante. E apenas eu vivenciarei minha vida e assim no fim tudo serão minhas memórias. Nesse sentido, chego em uma ideia comum e ancestral: sou o deus criador de minha realidade, pois apenas a partir do eu posso perceber a realidade.

Esse conceito trás uma percepção inicial, a de fazer valer a pena o momento em que se vive, pois só se vive uma vez — afinal os mortos não fazem história, apenas os vivos podem tecer a teia das narrativas humanas. Um ser consciente que não se preza ao prazer de fazer algo para dar regozijo à sua própria memória não encontra sentido de viver. E nesse anseio cria-se o combustível para nossas ações. Os sonhos, assim como os medos, são prisões para as ações do seu eu e da sua alma. Mas alma existe? Vamos definir esse conceito do qual iremos falar. Vamos separar nosso eu histórico, aquele que possuí a memória, do nosso eu observador, aquele que percebe a memória e, por isso, se sente vivo. Vamos separar nosso eu matéria do nosso eu “astral”. Nosso eu corpóreo do nosso eu “penso, logo existo”.
Portanto aqui, Alma é nosso eu essencial, tudo o que sentimos ser. Alma é a portadora da Percepção, da Consciência, da Gnosia. Alma é o ser por trás dos olhos. O observador de nossas vidas. Aqui, temos um conceito que se repete por toda a filosia e teologia. Desde o inicio da civilização vemos o mundo como Yin-Yang, luz e sombras, matéria e espirito, percepção e ilusão.
Para continuar precisamos entender onde estamos e o que queremos. Certamente há muitas coisas que você sempre quis fazer. Correr sem motivo. Viajar sem rumo. Conhecer o mundo. Tentar a sorte em outro país. Se declarar para aquela pessoa que ama. Se arriscar num novo negócio. O medo o impede. Medo de perder algo, algo que ainda não tem, que é seu próprio futuro, que ainda não existe para sua alma. Um futuro ilusório. E está preso no agora, vendo a vida passando na tela, trabalhando e gastando todo seu tempo enriquecendo outras pessoas e permitindo que usem do seu precioso tempo de vida — aquele único que tem — para fazer tarefas que nem são do seu feitio sob a invisível ameaça de ter seu futuro perdido caso você não siga as regras. O medo de ser quem não quer ser, o medo de fracassar, o medo de ter que enfrentar grandes dificuldades. Ao lado do medo, os sonhos e desejos também determinam nossas ações.
Amanhã será um dia como qualquer outro, vivendo sua vida, fazendo seu trabalho, realizando suas tarefas, invisível aos olhos da sociedade, sendo a força motriz que alimenta a elite, sendo parte da engrenagem que permite-os viver uma vida que você mesmo sonha em ter. E algo te abala, “será que chego lá?”. Ao querer estar em uma situação que parece lhe trazer maior felicidade você se movimenta para alcançar esse ideal. E estes sonhos distantes se tornam um fardo para quem sonha. Sonhos nos aprisionam tanto quanto os medos. São os desejos que que ditam nossas decisões e portanto, moldam nossos futuros e nos tornam o que somos.

Já parou para pensar, quais lembranças você quer possuir no momento de sua morte? qual tipo de pessoa quer ser e lembrar no seu último suspiro? Talvez hoje se vê preso numa rotina de medos e anseios, que sonha longe e distante num futuro que ainda não pode possuir em sua mente. Uma alma carregada de angústia por não ser o que queria ser. Você tem sonhos de ser alguém, de preencher o vazio. Um sonho que irá buscar a qualquer custo. E será o único a vivenciar esses sonhos que consequentemente moldam seu futuro. Ou será sua alma que irá observar o seu eu físico sofrer as consequências de suas próprias decisões?
Vivenciamos uma programação algorítmica, feita de compostos químicos que moldam o mundo. Tudo o que será, o será de qualquer modo. Somos a ordem no caos. O caos ilude e cria vida, uma vida que é ilusória, falsa, mas que convence o observador. Somos consequência do tempo e seremos apenas o que o tempo já nos reserva. E todos nós somos o que somos, pois não há outra alternativa. Predestinação. Destino. Cálculo. O tempo não apenas é imutável, como é também uma escultura com início meio e fim. Então sou o que sou pois não há como ser outro, mas sou aquele que vive o momento do agora e que lembra que viveu o momento que passou, um viajante, um observador que lentamente observa a escultura do tempo, onde nada pode alterar. Só posso ver o que o passado recente me permite registrar como um resquício de memória em minha mente. Tudo o que tenho portanto é o que sou fisicamente e também minhas lembranças.
Somos aquele que observa o ser que sente e se identifica como “eu”.
Feche os olhos por um momento. O que você vê? Uma escuridão completa? Ou na verdade, acredita ver o vazio, mas na verdade é o que seu cérebro interpreta. Feche os olhos e veja além da escuridão. Veja os dados da percepção. Manchas que tentam ser interpretadas, buscando a lógica, buscando a memória para se encaixar e poderem seguir em frente. Manchas que seu cérebro recebe a cada instante. Manchas que são além de uma simples falta de luz, mas uma mecânica que busca pela luz a cada instante. É a denúncia de um organismo feito para sobreviver ao dia. Que foge da escuridão, que não pode pertencer a ela. E o que é o que vemos no escuro? Se não apenas a nossa mente tentando interpretar o próprio vazio, criando manchas. Criando dados. Tentando traduzir uma mensagem que não representa a realidade, mas sim, tudo o que a realidade não é. Tudo o que é despejado, refletido, rebatido. Luz. Sombras. Energia e Solidez. Movimento e estaticidade. Matéria e antimatéria. 0 e 1.
O ser é ilusório pois é percebido pelo resultado do sentir. O sentir é moldado a partir de sensores que reagem ao ambiente. Porém o sentir é falso pois se traduz em reações diferentes do que se representa a realidade. A realidade não será captada, pois sempre é traduzida e sentida através da própria linguagem dos sentidos. Esse ser cria consciência através dos impulsos traduzidos, reação de um ambiente consequente, mas nada o é, pois o ser é uma cadeia algorítmica que reage de acordo aos efeitos. Esta consciência se sente viva pois pode lembrar de o ser, mas se esquece, morre. Morte é o sinônimo de inexistência. Mas o que existe? Como realmente ditar que a realidade tal como percebemos não é alterada e distorcida para que pareça existir do modo que é.

Vivemos numa simulação de nós mesmos. Numa simulação mental dos sentidos. Estamos presos em nossa matéria e acreditamos ser algo que na verdade é uma ilusão da memória. Não somos nada, mas percebemos nossas memórias e construções sinápticas e sentimos sermos isso. Mas então se a percepção é feita com energia e impulsos elétricos, poderíamos dizer que somos em essência essa energia que transita pelos neurônios? Então seriamos um tipo de energia única que se fragmenta nas peculiaridades de cada mente. Como num processador, ou parte dele.
Somos observadores de nós mesmos. O olhar por trás das nossas consciências, espectadores de uma cadeia de reações determinadas pela caoticidade natural. Traduzindo em ordem as ondas da maré. Transcrevendo a tempestade em pensamentos. Entendendo as vibrações como emoções. Mergulhados na nossa própria simulação de sentidos. Somos unidade em contenção. Parte do todo, presos em apenas uma perspectiva. Somos criação e criador. O resultado do acaso. Somos toda nossa história e além dela. Vida e morte. Existência e vazio. Somos a dualidade da realidade, a equação no cálculo. Somos apenas o momento do presente, onde apenas se registra o passado à mercê das consequências do acaso, que moldam o futuro.